Violência, brutalidade e morte: essas são as principais situações que os policiais militares enfrentam durante os longos plantões para atender desde ocorrências de perturbação de sossego até um confronto com criminosos.
Como consequência, os servidores da segurança pública podem ser acometidos por transtornos comportamentais e psicológicos, como o estresse, ansiedade, depressão e levar até ao suicídio. Essa, possivelmente, é a realidade de cerca de 285 policiais militares – em sua maioria cabos – afastados por problemas psicológicos em Mato Grosso do Sul.
Os dados são de um estudo realizado entre 8 de abril de 2022 a 26 de junho de 2023, publicado em agosto deste ano na Revista Científica da PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul), para avaliar a viabilidade da implantação da avaliação psicológica periódica na corporação e, com isso, prevenir a depressão e o suicídio.
A pesquisa, que obteve os dados da Junta de Inspeção de Saúde da PMMS para concluir o estudo, identificou os sintomas, doenças e transtornos mentais que podem surgir no ambiente policial militar, especificamente pelas ocorrências de risco e perigo que surgem durante o policiamento.
Morte de policiais
O estudo foi publicado poucos meses após a morte de quatro agentes da segurança pública de Mato Grosso do Sul, que tiraram a própria vida, entre eles um PM, um Capitão do Batalhão de Choque, um GCM (Guarda Civil Metropolitano) e um PM do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) – sendo este último em outubro de 2023.
O estudo concluiu que de 4.540 policiais militares, entre eles, soldados, cabos, sargentos, subtenentes, tenentes, capitão, major, tenente-coronel e coronel, 285 foram afastados da corporação. Destes, 189 afastamentos ocorreram em 2022, enquanto no ano passado, 96 policiais foram afastados. Entretanto, não foi possível concluir se os servidores de 2022 são os mesmos que ficaram afastados em 2023.
Com isso, o estudo conclui que, com os constantes afastamentos dentro da PMMS, é de extrema importância proporcionar aos policiais da corporação uma inspeção médica.
“Há vista que por deste instrumento poderá ter um diagnóstico prévio, sendo possível o encaminhamento para um profissional”, diz.
Ainda, o estudo menciona a Lei nº 5.564, de setembro de 2020, que determina a obrigatoriedade da avaliação psicotécnica aos candidatos aprovados no concurso público da Polícia Civil e Militar em MS.
Para os pesquisadores, é evidente que o legislador teve o intuito de fazer com que a segurança pública da sociedade seja assumida por quem tenha um mínimo de condição mental, porém o requisito não é mais exigido para aqueles servidores promovidos ou quando se trata de aperfeiçoamento.
“Nem mesmo para fins de verificar periodicamente se o policial militar se encontra em gozo de suas capacidades mentais para desenvolver com eficiência e eficácia as atividades de polícia militar”, diz o estudo.
Afeta negativamente a saúde mental
Logo, o estudo concluiu que a atividade policial militar é capaz de afetar negativamente a saúde mental do policial militar.
“Podendo originar doenças e transtornos, como, por exemplo, ansiedade, estresse e depressão. Identificou-se também que as patologias mencionadas têm o condão de influenciar diretamente no cometimento de suicídio”.
Contudo, pela ausência de dados sobre os padrões, tendências e fatores de risco específicos relacionados à saúde mental dos servidores, não foi possível afirmar se é realizável a implantação da avaliação psicológica periódica da PMMS para evitar a depressão e suicídio com um tratamento prévio.
“De qualquer forma, é essencial que as autoridades policiais reconheçam a importância da saúde mental dos policiais e forneçam recursos e apoio adequados para ajudá-los a lidar com as tensões do trabalho policial. Isso pode incluir programas de treinamento em habilidades de gerenciamento de estresse, serviços de aconselhamento e psicoterapia, além de outras medidas de prevenção”.
Por fim, o estudo ressalta a importância dos próprios policiais reconhecerem os sinais em si e em seus colegas para procurarem ajuda, quando necessário.
“Portanto, cuidar da saúde mental dos policiais militares é uma responsabilidade compartilhada pelas autoridades policiais, pelos próprios policiais e pela sociedade em geral. Todos devem estar comprometidos em garantir que os policiais tenham as ferramentas e o apoio necessários para lidar com os desafios do trabalho policial e manter sua saúde mental em boa condição”.
Carreta da Sejusp começa a atender policiais e bombeiros de MS
Com 13 cidades na lista, a ‘Carreta da Saúde’ da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) começa a atender os servidores de segurança pública de Mato Grosso do Sul neste mês de novembro.
O projeto, divulgado no último dia 25, promete melhorar a saúde física e mental com atendimento exclusivo aos policiais, bombeiros, médicos legistas, agentes de polícia científica, agentes socioeducadores e servidores administrativos, demanda já solicitada há algum tempo pela classe, em vista da morte de vários colegas neste ano, vítimas de suicídio.
Escalas de serviço e a pressão interna dos policiais são fatores preocupantes para a saúde mental do efetivo
Entre os fatores preocupantes para a saúde mental do efetivo da segurança pública de Mato Grosso do Sul estão as escalas de serviço e a pressão interna dos policiais militares.
No dia 9 de setembro, um policial militar lotado no 10º BPM (Batalhão da Polícia Militar) foi encontrado morto dentro de casa em um residencial no bairro Pioneiros, em Campo Grande. Meses antes, em abril, um capitão do Batalhão de Choque da PM foi encontrado sem vida em casa e, em menos de 24 horas, um GCM (Guarda Civil Metropolitano) também foi encontrado morto pela esposa.
Outro caso semelhante é o do policial militar do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), Israel Giron Arguelho Carvalho, preso suspeito de estuprar uma frentista na saída de seu trabalho, que foi encontrado morto em outubro de 2023.
Além dos problemas pessoais que os agentes sul-mato-grossenses enfrentam, na vida profissional precisam encarar problemas internos da corporação, segundo o Cabo PM Benites, presidente da Aspra MS (Associação dos Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso do Sul).
“Escalas de serviço, pressão interna por maior e melhores resultados, isso sem falar do excesso de controle externo, da própria sociedade ou dos órgãos do judiciário que a todo momento questionam as ações e resultados dos trabalhos da Polícia, principalmente”, opinou.
O militar ainda comentou que é difícil determinar o que leva uma pessoa a buscar o resultado que o Estado presenciou em abril deste ano, mas reforça que o ideal é começar pela valorização dos policiais militares.
“O que podemos fazer é buscar soluções institucionais, para minimizar os riscos de que novos episódios se repitam. E isso começa pela valorização destes militares. Seja através de bons salários, através da atualização de suas promoções, do reconhecimento do seu trabalho, através da consagração de medalhas de honra”, explica.
Fonte: Jornal Midiamax