Aos 48 anos, sendo 23 em recuperação, o descontrole ficou no passado mas sem nunca se livrar do vício: “todo dia faço uma escolha”
A cena é triste, lamentável e poderia ter virado uma tragédia sem igual: à beira do desespero, até o pai apontou uma arma na cabeça do filho para “livrá-lo” da dor que o vício em cocaína trouxe a vida deles e de todos em volta. Até então, ambos achavam que seria algo irrecuperável. Muita coisa aconteceu para Tiago*, inclusive o final feliz da superação, caminho ainda em andamento. Afinal, para quem possui a doença da adicção, todo dia é dia de se fazer uma escolha: optar ou não por cair nos dilemas do passado, admitir os fantasmas pessoais e buscar sempre o autocontrole.
É fácil? Não. É possível? No Voz da Experiência vamos descobrir, justamente hoje que se trata do Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo. Como preservar o anonimato das histórias é um dos principais mandamentos do NA (Narcóticos Anônimos), o Lado B utilizou nome fictício. Ao invés de dar “cara” aos mensageiros, enfatizar o relato de que existe saída e que uma vida em recuperação se encontra nos 12 passos.
“Meu nome é Tiago*, tenho 48 anos e me encontro em recuperação há 23 anos. Comecei a usar drogas muito cedo, quando criança pegava bebida escondido em festas de família. Na pré-adolescência fiz uso de benzina, lança perfume. Na adolescência comecei a usar maconha, não imaginava que isso iria destruir minha vida. Os problemas de comportamentos começaram a surgir. Como problemas na escola, brigas, desobediência, transgressões começaram a fazer parte da minha vida. Não conseguia mais me concentrar, matava aula para usar drogas, meu relacionamento com a família começou a ter muitos conflitos por conta dos estudos. Acabei por abandonar a escola muito cedo, na 7ª série. Foi então que conheci minha droga de preferência: a cocaína. Lembro que no começo “meus amigos” me davam drogas, depois comecei a utilizar minha mesada para comprar junto com eles e muito rapidamente já estava usado sozinho. Não conseguia estabelecer relacionamentos saudáveis. Finalmente, minha família descobriu e as cobranças aumentaram, prometi por diversas vezes que não ia mais usar. Fui matriculado em várias escolas, não conseguia terminar nada que começava, me tornei uma batata quente que ninguém queria segurar. Achava que não tinha problemas com drogas, que era só uma fase e que conseguiria parar quando quisesse. Não me faltava drogas, mentia, manipulava, enganava as pessoas. Cheguei a furtar para usar drogas, sempre dava um jeito para conseguir mais. Justificava meu uso. Dizia: üso porque todo mundo usa drogas, eu roubo porque todo mundo rouba”.
Me afastei dos amigos que não usavam drogas, me afastei da família, não parava em empregos. Até que enfim fui morar no Rio de Janeiro, onde o meu fundo de poço estava eminente. Sem saber o que fazer, minha família entrou em desespero. Até que minha mãe disse que se eu quisesse continuar morando com eles deveria parar de usar. Peguei minhas coisas e fui embora de casa. O que vou falar agora foi o que minha família relatou, pois não me recordo da ordem cronológica dos fatos.
Segundo meus familiares fiquei desaparecido por mais de um ano, e eles desesperados pois não sabiam o que havia acontecido comigo. Recordo-me de ter ido para uma determinada favela em uso contínuo comecei então a vender drogas para ter como usar. Com prejuízos significativos comecei a me questionar porque muitas das pessoas que usavam drogas comigo não tinham prejuízos, não abandonavam família, estudos e trabalhos, amigos, namoradas. Decidi por mim mesmo que não usaria mais. Continuava nos mesmos lugares com as mesmas pessoas e voltar a usar foi só uma questão de tempo. Enquanto eu quis usar eu usei. Quando eu quis parar e não consegui me desesperei. Começou a batalha. Dizendo para mim mesmo que usaria só uma dose e quando o processo começava só parava quando meu corpo não aguentava mais. Cheguei a usar cocaína por 15 dias seguidos, começou então a busca por ajuda, junto com familiares.
Tentei psiquiatria, religião, fuga geográfica e não tinha êxito. Quando a vontade vinha eu tinha que usar, era muito mais forte que eu. Desapareci novamente. Segundo minha família, por mais um ano. Em um determinado dia apareci na casa do meu pai. Quando ele abriu a porta levou um susto, não me reconheceu, meus irmãos que eram pequenos saíram correndo e gritando. Não me reconheceram. Meu pai disse que eu parecia estar com 60 anos. Sujo, sem camisa, descalço e fedendo. Onde eu pisava o cheiro ficava, e era horrível. Me deu banho, jogou a roupa que eu estava vestindo no lixo. Ele disse que eu dormi por três dias seguidos. Colocava comida ao lado da minha cabeça e eu acordava com o cheiro, comia e voltava dormir. Cheguei num estado animal, não sentia mais nada. Achava que eu não tinha mais jeito. Disse para meu pai: vou morrer usando drogas! Não consigo parar!




